3º dia no Salar de Uyuni: perdidos no salar! (2ª parte)
Esse post pertence à série “Outras Rotas” do “Rotas”. Nela, os nossos blogueiros fazem relatos de suas viagens fora do Espírito Santo. Se quiser conhecer mais sobre esses relatos, basta clicar na aba “Outras Rotas” ali no topo do site para ter acesso a todos os posts separados por destino.
Ao final de 4 horas de esforço para desatolar o carro, a situação era essa:
Sem vislumbrar qualquer perspectiva de melhora e já cansado de questionar sobre o telefone via satélite, eu estourei de vez e disse ao Elizardo, de forma incisiva, que nós precisávamos pedir ajuda. Se ele não fosse, iríamos eu e a Renata. Eu estava realmente disposto a sair caminhando atrás de algum socorro.
Depois disso, ele concordou em mudar de estratégia. Primeiro, tentou captar sinal através de seu celular. Não preciso nem dizer o quão inútil essa tentativa foi, né? Pois então. Logo em seguida, ele finalmente sacou o telefone via satélite de dentro do porta-luvas do carro. O único problema é que ele não sabia operá-lo. Ele até disfarçou mexer no celular para fazê-lo funcionar, mas eu vi que ele não estava familiarizado com a geringonça. Eu tive que ajudá-lo a discar para o número de telefone que estava anotado num papel anexo. Chamava mas caía na caixa postal. Então ele decidiu o novo plano: enquanto ele sairia à procura de ajuda no vilarejo mais próximo, nós ficaríamos ali tentando contactar a agência pelo telefone. Inicialmente, eu relutei em ficar sozinho com a Renata no meio do deserto enquanto ele saía em busca de ajuda. Eu pensei que, talvez, fosse melhor irmos juntos com ele. Mas ele ponderou quanto às adversidades do percurso: nós andaríamos de baixo de um sol de 40º, num chão branco-reluzente, sem qualquer perspectiva de sombra, até um vilarejo que, na melhor das hipóteses, estaria a 30 km de distância! Por isso, nós concordamos em esperar pela ajuda dentro do carro e tentar o contato com a agência pelo telefone.
E, assim, ficamos eu e a Renata sozinhos no salar. Sozinhos e perdidos. Sozinhos, perdidos e ligeiramente preocupados!
Isso tudo aconteceu às 14h da tarde. O Elizardo nos garantiu que voltaria até as 18h para nos resgatar. Agora você imagina: ele saiu sozinho, à pé, debaixo de um sol de 40º, com uma mísera garrafinha de água na mão, sem comida e sem filtro solar! Diante de tantas condições adversas, a probabilidade de acontecer alguma coisa com ele pelo caminho era grande. Deu pena dele!
A gente rezava para que tudo desse certo com o Elizardo e que ele conseguisse buscar ajuda no tal povoado. Mas a verdade é que nós depositávamos a maior parte da nossa esperança no celular via satélite. No fundo, a gente queria que mais pessoas soubessem que estávamos perdidos e que a nossa salvação não dependesse apenas da sorte do Elizardo. Além do mais, nós confiávamos que o socorro pudesse ser mais rápido que ele e chegar antes mesmo das 18h.
O número de telefone que o Elizardo tinha realmente não atendia. Tentei várias vezes e nada! Eu já tinha desistido quando a Rê teve a brilhante idéia de resgatar os e-mails que eu troquei com a Ruta Verde no meu Ipod para ver se havia algum outro telefone que pudéssemos contactar. Não é que lá tivesse sinal de internet, não gente! Seria muito querer isso no meio de um deserto! Mas os e-mails ficam guardados na memória do Ipod e eu poderia resgatá-los sem necessidade de sinal.
E não é que tinha um telefone da Ruta nos e-mails? Nos enchemos novamente de esperança e… bingo! O Gijs, dono da Ruta, atendeu o telefone com uma voz que, acreditem ou não, me soou incrivelmente familiar!
A partir daí, a coisa evoluiu um pouco mais. Com meu inglês bem intermediário, contei ao Gijs tudo o que havia acontecido conosco. Ele se mostrou estupefato e prometeu acionar imediatamente a Fremen Tours, operadora do passeio. Até então, eu não entendia – e nem estava muito interessado em entender – a presença da Fremen Tours nessa história. Durante todo o tempo em que ficamos perdidos no salar era um funcionário da Fremen, chamado Daniel, que me contactava. Mas, depois de tudo, o Gijs me explicou que eles são parceiros comerciais e que alguns dos passeios que a Ruta Verde oferece são executados pela Fremen, sem qualquer diferença nos preços cobrados por uma ou outra. Como ele mesmo me disse, a Ruta se responsabiliza por todo o passeio perante o turista – como ela efetivamente se responsabilizou no meu caso –, mas quem executou todas as etapas da viagem e, principalmente, contratou o motorista foi a Fremen.
Continuando… depois que falei com o Gijs, o Daniel, da Fremen, me ligou. Ele também se mostrou surpreso com a situação, se desculpou, disse que era a primeira vez que aquilo acontecia com eles e tal. Ele fez questão de deixar clara a irresponsabilidade do nosso motorista por não contactá-los na primeira oportunidade. Segundo ele, essa é a orientação da agência para casos de imprevistos nos tours. De toda forma, nos garantiu que enviaria outro motorista para nos buscar.
O motorista sairia da cidade de Uyuni e levaria aproximadamente 2 horas para chegar ao meio do salar. Por volta de 16 e 17h, portanto, ele já estaria a nossa procura no deserto. Mas um detalhe logo me veio à cabeça: como saber que ele realmente nos encontraria se eu não tinha como explicar onde estávamos e nem conseguia passar uma mínima referência geográfica da nossa localização? “À direita, à frente e atrás eu vejo uma cadeia de montanhas; à esquerda o horizonte; a 10 km tem uma ilha que, de longe, parece ter 5 km de comprimento e uns 3 metros de altura no topo.” Não dava! Tudo era igual e absolutamente relativo naquele lugar. A gente estava no meio de um deserto inteiramente plano, onde a noção de distância fica prejudicada pelo efeito da radiação solar sobre o sal. Sabe aquelas fumacinhas que parecem subir do asfalto em dias muitos quentes e que formam as famosas “miragens”? Pois então. Isso também acontece por lá. Por isso, eu não podia garantir nada em termos descritivos.
Era ou não era para ficarmos desesperados?
O Daniel, no entanto, foi sagaz. Em uma das muitas conversas que tivemos, ele me pediu para descrever todo o itinerário do dia e contar o que tínhamos feito antes do acidente. Ele ainda me questionou sobre a espessura da camada de sal no lugar onde a gente estava. Perguntou se havia só sal ou sal e lama. Quando eu respondi, ele disse suspeitar que estivéssemos nas imediações da Baía de Mala-Mala. Havia um mapa com informações turísticas no carro. Eu procurei por essa indicação e vi que a suspeita dele era razoável. A Baía de Mala-Mala realmente ficava próxima de Tahua, da Isla Pescado e da Cueva Galaxia. A esperança, enfim, retornou um pouco mais reforçada!
Mas não demorou muito para ela arrefecer. O tempo previsto para a chegada do motorista já havia ultrapassado e muito, mas ele não chegava. De repente, nos demos conta que o sol baixara e que a noite não tardava para chegar. Num rápido intervalo de lucidez eu consegui ver beleza naquele pôr do sol e registrei o fato:
Mas foi só lembrar do frio que acompanha a noite no deserto para o desespero vir novamente à tona. De madrugada, a temperatura no salar chega facilmente aos dois dígitos na escala negativa.
Por falar nisso, eu me esqueci de falar que, durante todo o dia, nós nos alimentamos à base de biscoito maisena e água. Poderia ter sido pior, não fosse a feliz idéia de parar num mercadinho no dia anterior para comprar lanches. Banheiro? Não preciso nem dizer que não tinha, né?
Aos poucos a escuridão se instalou por completo. O breu só era minimizado pela luz das estrelas (em outra ocasião, eu também teria enxergado beleza naquele céu!), das habitações de um vilarejo longínquo e do farol do nosso carro. Eu liguei o farol alto do carro na esperança de facilitar as buscas do motorista.
Já passava das 20h quando eu resolvi ligar uma última vez para o Daniel. Eu estava desesperado. Sai do carro para não demonstrar o grau do meu desespero para a Rê. Mas foi só o Daniel atender o telefone para eu cair em prantos. Chorei ao pedir que ele fosse sincero comigo. Chorei ao perguntar se realmente alguém tinha ido nos resgatar. E chorei ao imaginar que ele pudesse responder um “não” para aquela pergunta.
Não foi o caso. O Daniel me garantiu que o motorista estava desde a hora prevista (17h) nos procurando e tentou, de todo o jeito, me tranqüilizar. Ele confiava que seríamos resgatados.
Mesmo que eu não quisesse, eu precisava me conter. Eu não podia – e não queria – transmitir o meu desespero à Renata e, com isso, aumentar o dela. Embora a Rê tenha sido uma guerreira durante todo o nosso perrengue, eu sabia que ela estava com medo e sofria por dentro. Foi por isso que eu agradeci a Deus quando ela se rendeu à exaustão, por volta das 21:30.
Devo lembrá-los que acordamos antes das 08h da manhã e passamos boa parte do dia caminhando, carregando coisas debaixo de um sol escaldante, cavando sal pelas redondezas e sem nos alimentar. Não era de se estranhar, portanto, que a Renata ficasse exausta. Além do mais, ela me confessou que, a essa altura, já não acreditava mais no resgate da agência e nem mesmo que o Elizardo voltaria. Ela tinha plena convicção de que passaríamos a noite dentro do carro.
Assim, não sei se por exaustão ou medo, ela adormeceu no meu colo.
Continua no próximo post…
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Desesperador! Meu Deus do céu!!!! Vcs foram muito calmos. Eu teria estressado com o motorista em 2 minutos se ele não procurasse ajuda de outra maneira. Quero só ver o capitulo final!
Como eu disse, Liliana, a gente não tinha muita noção da gravidade do problema no início.
Só depois de ver que nada dava certo é que eu realmente “estourei”.
Poxaaaaaaaaaaaaaaaa,
Que situação! Tõ doida pra saber o “enfim, salvos”!!
Hoje li todos os posts sobre a viagem, na sequência! Estava quase me arrependendo por não ter incluído o Salar de Uyuni no meu roteiro, mas agora também estou na expectativa do desfecho da história e ansiosa pelo próximo post!
Camila,
se eu te contar que, passado o susto, a gente até falar em voltar para o Salar, você acredita? O lugar é sem-noção (e olha que nós só vimos metade das atrações!), nós é que tivemos muito azar.
Sei que o que aconteceu conosco foi um mix de irresponsabilidade e azar. Acho que a agência falhou muito na escolha do motorista. Mas a reação deles mostrou que eles são bem sérios e confiáveis. Se eu voltasse, eu iria novamente pela Ruta Verde, tomando a precaução de exigir, além do motorista, um guia.
Abs
Sabe aquela hist de “a primeira impressão pe a que fica”? Eu, particularmente acho que a última é a que fica e me pergunto…. como você conseguiu escrever maravilhas depois de ter vivido esse perrengue? rsrsrs Conseguiu transmitir a emoção, o deslumbre do dia que foi lindo depois do dia que foi terrível! Nossa1!!! parabéns! rsrs
Ana Paula, eu precisava analisar racionalmente a coisa. E, como o perrengue aconteceu no final, ficou mais fácil preservar a boa impressão do começo. ehehe
Abs
rapaaz, que doidera heim, parece até coisa de filme!!
Nossa, que sinistro!!! Que dó de vocês!
Como deve ter sido importante o apoio um do outro, para suportar o medo e todas adversidades.
Terrível a situação ! Ainda bem que tudo deu certo no final e vcs estão aqui apenas para descrever……
Acompanharei o desfecho.
Foi mesmo, Aninha. A Re foi uma guerreira!
Acho que já disse aqui, em algum post, sou nada aventureira, bem medrosa mesmo. Se isso tivesse acontecido comigo, mesmo com um final feliz, acho que eu ia querer so viajar para resort daqui pra frente! #trauma 🙂
Silvia, sabe que e uma boa ideia essa de viajar para resort! rs
Mas e serio. Nos estavamos programando uma viagem para Machu Pichu agora em dezembro mas, depois disso, nao hesitamos em mudar os planos para algo menos aventureiro.
Nosso destino agora inclui apenas sombra e agua fresca na Bahia. 😉
A todos eu digo antes de fazer suas viagem, nao esqueça de fazer cursos ou aulas de como dirigir um 4×4, teste de sobrevivencia e sempre levar coisa a mais do que planejado e melhor levar e nunca usar do que precisar e nao ter levado.
abraços a todos e ” E BOAS ESTRADAS !!!!!!!”