Quem são eles? Quem eles pensam que são?
Lembrar desse refrão da música 3ª do Plural do Engenheiros do Hawaii é inevitável toda vez que eu paro para refletir sobre os nomes de ruas em Vitória. É que, aqui, ao contrário da maioria das cidades que eu conheço, os nomes das ruas não seguem um padrão lógico facilitador da memória e do senso de direção dos habitantes e turistas. A “lógica” dos nomes de ruas em Vitória parece ser uma só: homenagear alguma “figura importante da cidade”.
Veja bem. O “figura importante da cidade” vai entre aspas porque a pessoa homenageada só é verdadeiramente importante para quem a conhecia. Na grande maioria dos casos, não se trata de homenagear pessoas que tiveram algum papel de destaque na história ou na política da cidade. É apenas uma forma de eternizar pessoas com “sobrenomes de peso”, se é que você me entende.
Essa é a única explicação plausível que eu tenho para o fato de 95% das pessoas que dão nome a ruas em Vitória serem totalmente desconhecidas do cidadão comum. Pergunte a qualquer capixaba se ele conhece ou sabe quem foi Renato Nascimento Daher Carneiro, Anísio Fernandes Coelho, Maria de Lourdes Poyares Labuto ou o Doutor João Batista Miranda do Amaral. Pergunte “quem são eles?“. O pior é que nem mesmo “figuras verdadeiramente importantes” da nossa cidade foram homenageadas. Até hoje eu não entendo, por exemplo, porque não há uma só rua com o nome de Nara Leão ou Maurício de Oliveira, artistas capixabas nacionalmente conhecidos que nasceram aqui. Ou então porque não homenagear capixabas ilustres de outras cidades, como Rubem Braga, Sergio Sampaio, Dionísio Del Santo entre tantos outros. Será que eles não são tão importantes assim?
Juro que eu até tentei buscar alguma explicação “oficial” para tal critério de denominação. Mas no site da Câmara Municipal de Vitória a pesquisa pelas palavras “nome + rua” retorna 25 referências legislativas casuísticas sobre a definição do nome de ruas específicas. A mais genérica de todas é a Lei nº 4459/1997 que “dispõe sobre informações relativas aos nomes de vias públicas no Município de Vitória“, mas que tem apenas 4 artigos tratando de questões meramente burocráticas.
A verdade é que eu nunca vi tanta “gente importante desconhecida” numa cidade só. Uma conferida no mapa da capital mostra que esse foi – e ainda é – o padrão dominante de denominação das ruas. De Jardim Camburi ao Centro de Vitória sobram nomes de pessoas com dois ou mais sobrenomes para tristeza de moradores e turistas. Talvez a única exceção fica por conta da Ilha das Caieiras, onde os nossos vereadores foram bem mais criativos em nomear as simpáticas Ruas da Coragem, da Amizade, da Liberdade, dos Coqueiros e até a Rua do Parto. Mas, fora dessa microrregião, padrões mais relevantes e de fácil memorização (p. ex. nomes de cidades, estados ou países, nomes de povos indígenas e imigrantes) acabaram ficando de lado.
Para você ter uma idéia, Vitória deve ser a única cidade do Brasil que não deu o merecido destaque a uma grande avenida com o nome “Brasil”! A nossa “Avenida Brasil” é uma rua de pouco mais de 600 metros que fica num bairro afastado e totalmente fora do mainstream (Resistência). Pior ainda é o caso do nosso Estado e das nossas cidades vizinhas. Não há uma só rua, avenida, ladeira ou praça que leve o nome Espírito Santo, Vila Velha, Serra, Cariacica, Viana e Guarapari, muito embora todas essas cidades tenham uma rua chamada Vitória.
Quer mais um exemplo?
Em Vitória, ao contrário de outras capitais costeiras, como Rio, Salvador, Recife e Florianópolis, você não vai encontrar em nenhuma avenida à beira-mar as tradicionais denominações Avenida Atlântica ou Oceânica em homenagem ao marzão que banha o nosso litoral. Em compensação, duas das principais vias costeiras da cidade receberam o nome de “empresários de sucesso”: Dante Michelini e Américo Buaiz. O primeiro, aliás, constrange absurdamente a sociedade de Vitória. Isso porque, apesar da “linda” biografia descrita pelo jornal A Gazeta (aqui), Dante Michelini é pai de um dos acusados pela morte da menina Araceli Cabrera Crespo, um triste episódio de abuso sexual contra uma criança que abalou o Espírito Santo nos anos 70 e acabou virando símbolo da luta contra esse tipo de crime no Brasil (saiba mais sobre o caso aqui). Tem até uma campanha no Avaaz que pede a alteração do nome da Avenida Dante Michelini para Avenida Araceli Cabrera (veja aqui).
Aí você deve estar se perguntando: “mas pra quê tanta implicância, Tiago? Pra quê implicar tanto com eles?”
Juro que não é picuinha. Para além de uma luta simbólica contra o ranço provinciano do reino de Vitorinha, essa implicância tem um motivo muito mais nobre. É que esse padrão de denominação de rua não só prejudica a memorização dos nomes pelos habitantes como também atrapalha – e muito – a movimentação de turistas pela cidade.
Explico.
Em Vitória ninguém, repito, NINGUÉM sabe nome de rua de cor (ressalvo aqui apenas as ruas mais famosas e também as da Praia do Canto, único bairro onde os nomes das ruas “pegaram”). Aí, não adianta você, turista desavisado, vir com o endereço do seu hotel anotado num papel (ok, ok… papel é coisa do passado!) e perguntar ao primeiro transeunte que passa na rua: “Com licença! Onde fica a Rua Braulio Macedo?” Você invariavelmente vai ouvir: “Tem algum ponto de referência?”
Essa pergunta-resposta padrão do morador de Vitória tem uma razão de ser. É que, para contornar a dificuldade de memorização dos nomes de ruas, ele criou uma técnica bem mais fácil de localização geográfica: referir-se à rua através de um ponto comercial nela estabelecido.
Por isso que, aqui, ninguém vai para a Praça Philogomiro Lannes (a da foto lá de cima), mas sim para a Pracinha da Flash Vídeo. Ninguém vai te levar até a Rua Doutor José Carlos de Souza se você não disser que essa é a rua do antigo Supermercado Carrefour ou da FDV. E, por fim, ninguém vai saber te dizer onde é a tal Rua Braulio Macedo se você não se adiantar a informar que esta é a Rua do Hotel Ilha do Boi.
Viu a complexidade da coisa?
O padrão de denominação das ruas de Vitória é extremamente ingrato turisticamente falando. A Vitória ilustrada no seu mapa é totalmente diferente da Vitória que existe na cabeça do seu morador. Em outras palavras, nome de rua por aqui, meu caro amigo turista, não te leva a lugar nenhum!
P. S.: Se eu fosse Prefeito de Vitória trabalharia intensamente junto à Câmara de Vereadores por uma mudança radical nos nomes das ruas da cidade. A começar pela Dante Michelini, claro. Avenida Araceli Cabrera seria muito mais justo.
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Tiago, simplesmente ameeeeeei este post! Concordo em gênero, número e grau! Aninha
Valeu, Aninha!
Fruto da principal atividade legislativa de vereadores.
Exatamente, Eduardo. É a principal atividade deles e, pelo menos aqui em Vitória, tá sendo muito mal feita. Valeu pela visita!
Parabéns pela abordagem. Vitória merece e nós também. Tenho horror de morar perto da Avenida Dante Michelini!!!
Num é, Ju? Mentalmente eu sempre chamo a Dante Michelini de Araceli. 😀
Valeu pela visita aqui!
Muito bom! Meu marido quando veio de São Paulo estranhou horrores essa nossa mania. Ele dizia: “Como assim? Todo mundo sabe nome de prédio, mas não sabe nome de rua?”.
Como mineiro, esse também foi sempre um estranhamento meu, Elaine. É muito esquisito isso.
Acertou no mosqueiro, Tiago, não só na mosca. Nome de rua? Nome de edifício? Endereço de casa?
A pergunta é sempre a mema: “fica perto de quê?”. Abração do Oleari.
Ijatô pedindo autorização para reproduzir no Portal Don Oleari Ponto Com – http://www.donoleari.com.br , reformulado e em fase de ajustes.
Valeu, Oleare! Não sei se recebeu a minha mensagem, mas estive lá na Azteca recentemente, mas infelizmente você não estava lá. Gostei muito da reforma. Parabéns. Nossa conversa fica para uma próxima. Abs.
(não entendi bem o seu pedido. você quer citar o post ou reproduzi-lo no site?)
Parabéns, marido!
Excelente post! Excelente abordagem!
Brigado, muié! 😉
Clap, clap, clap! Amei o post! E eu também não sei nome de rua alguma, sou a pior capixaba para dar informaçao. A propósito, até minha ilustre desconhecida avó tem uma escadaria no centro com o seu nome, dedicada a ela, na Ilha do Príncipe! Há muitos anos a escadaria recebeu seu nome pois ela sempre ajudou bastante o pessoal da região e era muito amada entre quem morava lá na época que a escadaria foi construída.
ehehehe você e todos os capixabas, Lili.
Olha só, acho que o caso da sua vó é totalmente diferente porque ela tem uma história com o lugar. Pelo visto, essa foi sim uma justa homenagem pela importância dela naquela região.
Mas não é essa a situação da maioria das ruas daqui. O problema é que nem os moradores conhecem os homenageados. Isso é que é triste.
Meu avô também tem uma rua em Vila Velha, Henrique Laranja. Já é falecido.
Bom dia, conheci o site hoje e gostei bastante. Só para dar um toque, o link para curtir a página no facebook leva direto para a página inicial de quem clica, eu cliquei e abriu minha homepage do facebook. Mesmo eu achando a página de vocês depois na pesquisa, sugiro corrigirem e linkar para a página do perfil.
Abç.
Oi, Conrado, valeu pelo toque! Vou pedir pra corrigir isso. Espero que goste do Rotas! Abs
Pessoal, desculpem-me pela demora em respondê-los, mas estava meio sem tempo nessa última semana. Foi mal!
Excelente post! Nao conhecia seu blog, adorei. Em Maruipe os nomes das ruas seguem grandes escritores brasileiros. Ja morei na José de Alencar e na Oswaldo Cruz. bem mais interessante que meu endereço atual Ruy Pinto Bandeira que nem o google soube me informar quem é.
Não sabia disso em Maruípe, Renata. Então, há luz no fim do túnel! 🙂
Excelente post, como sempre.
Fico encantada com sua perspicácia! Escreva sempre e mais!
Abraço
Obrigado, Tamira!
Só percebi isso quando saí de Vitória. Aqui fora sei naturalmente o nome de um monte de ruas porque todos também sabem. É cultural. Em Vitória, mal sabia o nome daquelas praças que tem no centro (Praça Getúlio Vargas…). E para complicar surgem os apelidos das ruas, como Reta da Penha… Aí fica difícil demais !
Ótimo post, realmente é a pura verdade. Esses dias mesmo estava também comentando sobre os ônibus de Vitória e geral, né?! Que os próprio moradores não sabe andar e precisam ficar tentando achar alguém no ponto que os possam ajudar, isso é um absurdo, que só limita a visita e o ir e vir de um turista nosso estado. Precisamos buscar meio para mudar isso, buscar melhorar os meios de informações no ES.
Fique com Deus… Abraço
Sou carioca e gostaria de saber por que está em destaque os sobrenomes das ruas..Até agora não encontrei uma explicação lógica.Obrigado
Também não sei dizer.
Quem realmente estudar a história da cidade vai saber quem foram esses pessoas que deram nome a ruas e praças; qual a contribuição delas para a cidade. Philogomiro Lannes, foi um importante advogado e professor. Ajudou a fundar muitas igrejas Batista no estado do Espírito Santo.