Salve, Augusto Ruschi!

publicado por Tiago dos Reis em 09 de maio de 2014
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Augusto Ruschi

“Não é maravilhoso existir um mundo tão vasto que jamais consigamos desvendar todos os seus mistérios? E, além disso, não parece apaixonante viver não só para admirar os seus prodígios, como também, sobretudo, para tentar descobrir os enigmas de que o homem está ainda rodeado?” (Augusto Ruschi)

Eu não poderia começar a falar de Santa Teresa sem antes contar um pouco da história de seu filho mais ilustre: Augusto Ruschi. Talvez você nunca tenha ouvido falar dele. Principalmente se você não for capixaba. Mas Santa Teresa não seria nem metade do que é hoje se não fosse o legado que esse homem deixou para a cidade.

Veja bem. Eu estou sendo beeeem modesto ao restringir o legado de Augusto Ruschi à Santa Teresa. Na verdade, o legado dele não tem fronteira. É um presente que ele deixou para mim, para você, para Santa Teresa, para o Espírito Santo, para o Brasil e para o mundo. E por isso a memória de Augusto Ruschi deveria ser preservada em toda a parte, não só na sua cidade natal.

Mas que legado é esse? Você deve estar se perguntando. Eu respondo: um dos maiores acervos de imagem da fauna e flora brasileiras, constituído de 50.000 slides; 450 trabalhos e 22 livros na área de biologia (os mais famosos são Aves do Brasil vol. I e II, Beija Flores do Espírito Santo, Beija flores do Brasil vol. I e II, Fitogeografia do Estado do Espírito Santo, Orquídeas do Espírito Santo e Agroecologia); 2 instituições científicas – o Museu de Biologia Professor Mello Leitão, em Santa Teresa, e a Estação de Biologia Marinha Ruschi, em Aracruz-ES; 1 fundação – a Fundação Brasileira de Conservação da Natureza;  a criação de várias reservas naturais, entre as quais se destaca o Parque Nacional do Caparaó, e a preservação de muitas outras, como a Reserva de Comboios, em Linhares-ES; e um dos maiores acervos de informações existentes sobre a Mata Atlântica. E isso é só um resumo.

Aves do Brasil

Não por acaso Augusto Ruschi foi considerado o patrono da ecologia no Brasil. Seu nome foi dado à medalha que a Academia Brasileira de Ciência entrega a cada 4 anos no Prêmio da Ecologia Nacional. E seu rosto estampou a antiga nota de 500 cruzados novos entre os anos de 1989 e 1990, junto com a figura de um colibri.

Foto: Banco Central (divulgação)

Foto: Banco Central (divulgação)

E por falar em colibri, taí a verdadeira paixão de Augusto Ruschi: os colibris. Foi por causa deles que, após uma curta temporada no Rio de Janeiro, em que trabalhou para o Museu Nacional e o Jardim Botânico, resolveu voltar para sua terra natal. Em Santa Teresa, Ruschi se dedicou ao levantamento de dados científicos sobre a vida dos colibris, produzindo um conjunto de trabalhos sem precedentes no Brasil (como os livros Beija Flores do Espírito Santo Beija flores do Brasil vol. I e II). Foi o primeiro no mundo a reproduzi-los em cativeiro e a domesticá-los, transformando-se na maior referência mundial sobre o assunto. Sabe aquela garrafinha com água e açúcar que a gente coloca na varanda das casas para atrair beija-flor? Pois então. Foi invenção dele.

É por isso que você quase sempre vai ver a imagem de Ruschi associada à de um beija-flor. Essa foto, por exemplo, virou um clássico, a sua marca registrada:

Augusto Ruschi

Não fosse o interesse de Augusto Ruschi pelos beija-flores e a sua constante luta pela preservação dessas aves, Santa Teresa não seria hoje a “Doce Terra dos Colibris” (lema oficial da cidade), considerada um dos melhores lugares do mundo para a prática do bird-watching. Está aí a maior concentração de beija-flores por quilômetro quadrado do planeta.

Ir à Santa Teresa e não ver beija-flor é praticamente impossível. Bem mais fácil é ir à Roma e não ver o Papa. 😉

Augusto Ruschi

Foi o amor de Ruschi pelos colibris que o levou a se envolver na célebre briga com o Governador do Espírito Santo, Élcio Álvares, em defesa da Estação Biológica Santa Lúcia. O lugar é um reduto de mata atlântica virgem com uma das maiores diversidades de flora epífita do mundo e freqüentada por inúmeras espécies de beija-flor. Alheio a isso, o Governo do Estado baixou um decreto em 1977 desapropriando a área para instalar uma fábrica de palmitos. O.O

Em uma visita dos fiscais do governo, Ruschi os recebeu com uma espingarda na mão, esbravejando: “Aqui não. Se passar daí, ficam definitivamente no chão. Em defesa da natureza eu sou capaz de matar ou morrer”. O caso ganhou grande repercussão na imprensa nacional e internacional e, após a comoção gerada, o Governador voltou atrás. A Estação continua lá intacta, compondo os quase 40% de cobertura vegetal nativa da cidade de Santa Teresa.

Coincidentemente, a Estação de Santa Lúcia foi o local escolhido por Augusto Ruschi para ser enterrado. Quando, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, foi questionado sobre o isolamento de seu túmulo, já que a reserva não está aberta à visitação pública, ele retrucou: “[serei visitado] pelos suaves beija flores. (…) Tenho esperança de que eles me conduzam ao reino de Deus” (veja a entrevista completa aqui).

Augusto Ruschi nasceu em Santa Teresa no dia 13 de dezembro de 1915. E numa daquelas infelizes coincidências, veio a morrer no dia 03 de junho de 1986 após um longo ciclo de doenças precipitadas pelo veneno de um sapo raro encontrado em uma expedição no Amapá. Se ele se sentiu traído pela natureza? Nananina: “Jamais me senti traído. A floresta me deu tudo e nunca exigiu nada de mim. Eu é que fui imprudente com o sapo”.

A praça que leva o nome de Augusto Ruschi em Santa Teresa

A praça que leva o nome de Augusto Ruschi em Santa Teresa

O homem a quem o escritor mineiro Affonso Romano de Sant’Ana chamou de “o primeiro grande mártir do movimento ecológico brasileiro” é teresense, meus caros. E como bom filho, foi pra Santa Teresa que ele legou a parte mais significativa da sua inestimável herança: o Museu Mello Leitão, a natureza exuberante do entorno e, claro, os colibris. Só isso já seria um motivo mais que justo para você querer conhecer esse pedacinho encantado das montanhas capixabas.

Salve, Augusto Ruschi! O encantador de colibris.

P.S.: a história de Augusto Ruschi foi contada por Paulo Tatit em música de 1993 gravada pelo Grupo Rumo: veja aqui.

“O segredo de uma vida empolgante não está em descobrir maravilhas, mas em procurá-las.” (Augusto Ruschi)

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Comentários

  1. MIRIAN DA SILVA
    07 mar 2015

    SIMPLESMENTE FASCINANTE

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